Provérbios Provados noutras casas:

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Provérbio provado rimado - MDXLVII

O Júlio arrasta a asa 
A qualquer rabo de saias 
Escolhendo as suas cobaias 
Fica a melgar e não baza

Não chega a ser muito chato 
Pois finge-se tão distraído 
Mostrando o lado divertido 
Com um humor abstracto 

E apesar deste desapego 
O Júlio é um cortejador 
Que espera levar a melhor 
Para o seu alimento do ego 


Provérbio provado rimado - MDXLVI

O Roberto é muito invejoso 
Além de ser mau e manhoso 
Está sempre a olhar em redor 
Para ver quem tem naco maior 

Se o invejado até se esforçou 
Só há a inveja que sobrou 
Mas se os bens provêm do ar 
O Roberto vai mais invejar 

Inclusive usa do insulto 
Parecendo assim pouco adulto 
Sem obter nenhuma vantagem 
Vai sair-lhe cara a viagem 

Porém ele nunca confessa 
E até a bondade professa 
Ele nega ter tal sentimento 
Que mira com lentes de aumento 

Coisa vergonhosa e tão vil 
A inveja está-lhe no perfil 
Não engana ninguém o Roberto 
Quando imagina que é esperto 

Às vezes anda acabrunhado 
Traz na boca um gosto salgado 
Por não suportar a felicidade
Nem à volta da própria cidade 

Mas se topa alguém infeliz 
Vai depressa meter o nariz 
Lastimando tanto o invejado 
Que até quase se sente estimado 

É pior do que o ódio a inveja 
Mais suja naquilo que deseja 
É cadela que morde e não come 
Pois jamais vai matar essa fome 


terça-feira, 5 de agosto de 2025

Provérbio provado rimado - MDXLV

O Arnaldo era magrinho 
E também bastante baixinho 
Era um tipo muito azarado 
Que jamais conseguia fiado 

Ninguém a sério o levava 
Com a sua presença diferente 
E o Arnaldo assim desprezava 
Por ser só dez réis de gente 



Provérbio provado rimado - MDXLIV

Estão seis gatos pingados 
Naquele café às moscas 
Os seis já estão entornados 
Exibem maneiras toscas 

Ah se fosse eu o gerente 
Do velho esbalecimento 
Havia de ficar descontente 
Com o vergonhoso momento 

Depois eu teria um tal gesto 
Que lhes mostrasse a rua 
Dentro não sobrava resto 
Nem pingo de falcatrua 


Provérbio provado rimado - MDXLIII

Quando algo se precipita 
No sentido de dar errado 
Deixa muita gente aflita 
Ou somente em desagrado 

É certo que há confusão 
Que causa grande surpresa 
Mais parece que um furacão 
Se abateu fazendo limpeza 

Mas também pode ser ironia 
Exagero de uma gravidade 
Afirmar com categoria 
Caiu o Carmo e a Trindade 


Provérbio provado rimado - MDXLII

Meter a praça do Rossio 
Naquela Betesga tão estreita 
É mais do que um desafio 
É uma tarefa suspeita 

Pois se a praça é gigante 
E a outra é só uma ruela 
Seria até caso importante 
Conseguir-lhe uma aduela 

É coisa decerto inglória 
Insistir nesta actividade
Mas é dito de memória 
E ficou para a posteridade 


segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Provérbio provado rimado - MDXLI

A pesca tem a sua ciência 
Há que juntar-lhe o isco aqui 
E uma dose de paciência 
Que o peixe já já vem aí 

E no fim dessa vã pescaria 
Valeu tanto a pena o esforço 
Que suplanta qualquer magia 
De ter só no isco reforço 


Provérbio provado rimado - MDXL

O amor é tal qual uma luz 
Que não deixa que a vida escureça 
E também é um tipo de cruz 
Que se leva como uma promessa 

Mas nem tudo aquilo que se ama 
Se deseja em igual proporção 
Que o desejo termina na cama 
E o amor espera continuação 

O amor pode e deve crescer 
E alimenta-se de cada beijo 
Mas a posse só faz esmorecer 
É a sepultura do desejo 


Provérbio provado rimado - MDXXXIX

Quando alguém o troco merece 
E os ânimos estão exaltados 
Na verdade o que apetece 
É operá-los acalorados 

Mas agir assim por impulso 
Não exibe a melhor atitude 
Pois é comportamento avulso 
Que nadinha deve à virtude 

Ideal é esperar que arrefeçam 
Que acalmem muito devagar 
Até que os ofensores esqueçam 
Quem fizeram prejudicar 

E nessa aparente temperança 
Que é próxima do calafrio 
Pode-lhe seguir-se a vingança 
É um prato que se serve frio 


Provérbio provado rimado - MDXXXVIII

Se soubesses o quanto te adoro 
Há mais de um bom par de anos 
Não és meu contudo não choro 
Não teço essa teia de enganos 

O que faço aos vários anseios 
Que ocupam o corpo e a mente?
Vou dispô-los em copos cheios 
Cada um numa cesta diferente 

Quando surgem desejos novos 
Eu não sei bem o que sentir 
Aprendi a separar os ovos 
As gemas das claras dividir 

É assim que escuso de lidar 
Com a questão mais central 
Pretendo o problema espalhar 
Pelas terras do maralhal 

Junto o útil ao agradável 
Dando vazão às mãos-cheias 
Vou da forma mais respeitável 
Dividir o mal pelas aldeias 


quarta-feira, 30 de julho de 2025

Provérbio provado rimado - MDXXXVII

Pretendes uma boneca 
Que a tudo vá anuir 
Sempre disposta prá queca 
Sem nunca se insurgir 

Uma mulher sem coluna 
E até com poucos miolos 
Porém não vês a lacuna 
A falta que fazem os olhos 

Um ser molengo e obtuso 
Sem grama de personalidade 
De quem possas fazer uso 
Conforme for tua vontade 

Que não te mostre fraquezas 
Que possam forças provocar 
E não tenha muitas certezas 
Para além de poder respirar 

E nenhumas ondas levante 
Nem a tampa lhe salte sequer 
Com nada de novo se espante 
Por não ter direito a escolher 

Constante e também asseada 
Ignorante e deveras casta 
Pensando que à mulher casada 
Apenas o marido lhe basta 


Provérbio provado rimado - MDXXXVI

A natureza dá a vida 
Mas a vida ensina a viver 
Nunca é como foi prometida 
Temos sempre de sobreviver 

No final quem mais aguenta 
É o que está bem adaptado 
Segue a norma e não inventa 
Para não ficar decepcionado 


Provérbio provado rimado - MDXXXV

Quiseste vestir a camisa 
Por tua própria vontade 
E foste imprudente Luísa 
Apesar de já teres idade 

Num imbróglio te meteste 
Vê como a saída preparas 
Pois no fundo não mereceste 
Uma camisa de onze varas 


Provérbio provado rimado - MDXXXIV

Queres que aguente os cavalos 
E que não te pise os calos 
Esperas um espaço alargado 
Não queres ser meu namorado 

Pois dou-te todo esse espaço 
Até precisares de um abraço 
Daqueles que dão falta de ar 
Quando for para o aproveitar 

Desejas que não espere nada 
Mas esteja sempre preparada 
Se quiseres uma companhia 
Que te alegre um mau dia 

Tu verás que esse joguinho 
Irá deixar-te sozinho 
Porque afinal sou esperta 
E não estou de perna aberta 


Provérbio provado rimado - MDXXXIII

Tu vives só de fachada 
No próprio palco actuando 
Para que fique impressionada 
A gente que vai observando 

Só te interessa a aparência 
O que passa para o exterior 
Mesmo que a tua existência 
Vá indo de mal a pior 

Exibes tamanho sucesso 
Uma vida larga e faustosa 
Mas se te viram do avesso 
É publicidade enganosa 

A imagem que tu construíste 
Não reflecte as tuas emoções 
Às vezes também estás triste 
Mas preferes passar ilusões 

Só tu saberás na verdade 
Como és por dentro da pele 
Não se espelha na realidade 
Por isso os outros repele 


segunda-feira, 28 de julho de 2025

Provérbio provado rimado - MDXXXII

Se perguntas a um português 
Como vai a vidinha levando 
Responde lá na sua vez 
Compadre vai-se andando 

Mesmo que a vida a melhor 
Da terra e das redondezas 
Vai sempre dizê-la inferior 
Para prevenir mais surpresas 

A mania que o tuga tem 
De parecer tão comezinho 
É para evitar o desdém 
Do colega e até do vizinho 

Por isso põe-se tristonho 
Dizendo que se Deus quiser 
Mais vale ser enfadonho 
Do que má vida merecer 

E tendo existência boa 
Leva a coisa devagar 
Nesse ir andando à toa 
Para ninguém o invejar 

(Saco de pano à venda na Tiracolo)


quinta-feira, 24 de julho de 2025

Provérbio provado rimado - MDXXXI

O povo inglês chega a horas 
Porque sempre foi pontual 
Faz inveja a muitas senhoras 
Para quem isso é anormal 

Devia ser prática comum 
Num encontro ou obrigação 
Mas ninguém lhe liga nenhum 
O que é falta de consideração 

Não devia ser um exclusivo 
De uma certa nacionalidade 
E até podia ser um motivo 
Para estragar uma amizade 

O facto é que os ingleses 
São no relógio cumpridores 
Por mais que tenham revezes 
Comportam-se como senhores 

É por isso que para designar 
O rigor da pontualidade 
A britânica se vai destacar 
Como sinal de seriedade 


Provérbio provado rimado - MDXXX

Onde vivem as nossas falhas 
E os nossos erros e enganos?
Surgem por vezes ao calhas 
Sabendo só causar danos 

Estampados no nosso rosto 
Ou marcados em cada mão?
É certo que trazem desgosto 
Mesmo que não haja intenção 

Mas a experiência humana 
Indica que qualquer defeito 
Apesar de crer que engana 
Dá origem ao preconceito 

Ele é escrito às escondidas 
Por detrás das nossas costas 
Ainda que tomemos medidas 
Resulta em várias apostas 

É tão clara essa linguagem 
Que assenta no maldizer 
Limitando a uma personagem 
A hipótese de se arrepender 

Defeitos e fraquezas alheias 
São tão fáceis de apontar 
E convivem paredes meias 
Com o que se quer mostrar 

Falar pelos cotovelos então 
É louvável e até preferível 
Do que ter às costas atenção 
Tornando o valor invisível 



Provérbio provado de um santo ignorado

Tinham-no colocado sensivelmente a meio da nave, do lado esquerdo de quem sobe. Até na localização havia ficado prejudicado porque os crentes percorriam o corredor central com uma atenção progressivamente decrescente até ao momento em que, chegados perto do altar, esta redobrava. Mas não lhe adiantaria chorar - a não ser que as lágrimas fossem de sangue -, estava há muito habituado àquele nicho ignorado. A plaquinha de madeira que outrora indicara o seu nome tinha começado a apodrecer, de tal forma que o próprio nome próprio desaparecera e agora já mal se lia a palavra Santo.
As pessoas, que aleatoriamente se persignavam nave afora, paravam às vezes ali por perto nalgum cumprimento domingueiro aos vizinhos ou numa calhandrice em sussurro, porque na casa de Deus não se devia apontar o dedo a ninguém, por mais pecador que fosse - com excepção do taberneiro, do merceeiro e do sapateiro, nem sequer o carteiro se safava.
Reuniam-se em pequenas rodas aqui e ali e, quando ficavam mais aqui, acabavam por reparar naquele canto meio escondido com um santo meio de banda. E não valia a pena tentarem ler a placa carunchosa: a conversa terminava sempre com alguém a perguntar Mas afinal quem é o Santo?
Como não lhe sabiam o nome, as oferendas eram raríssimas. É bem de ver: quem é que no seu perfeito juízo dirige um pedido a um santo que não pode nomear? É toda uma oração para o galheiro, o mais certo é não ser atendida pelo Altíssimo...
As gentes inclinavam-se assim para os santos em montra no altar, muito mais vistosos e bem postos, iluminados pelos enormes círios que o sacristão não deixava apagar.

Num desses fins de tarde de Inverno, em que o largo se enchia do cheiro das lareiras e dos borralhos, o Lobato viera pedir perdão pelos seus pecados. Eram tantos, mas tantos!, que ele nem sabia por onde começar. Palpitava-lhe que uns vulgares Padres-Nossos e Avé-Marias não seriam suficientes.
Não se via vivalma. Lobato percebeu que a hora da confissão já terminara. Levantou-se devagar. Tinha de ir ao encontro do Furtado: estava quase na hora. Levou as mãos aos bolsos. A mão esquerda sentiu o frio da navalha, enquanto a direita apalpava o envelope.
As sombras ocupavam cada vez mais os esconsos da igreja, em contraste com a luz das velas crepitando junto ao sacrário. Lobato olhou lentamente para o seu lado esquerdo e deu com os olhos numa imagem em que nunca havia reparado. O santo, alquebrado, tinha um ar tão abandonado que até metade da tabuleta com a sua identificação caíra.
Meteu de novo a mão no bolso direito. O Furtado nem podia sonhar que aquele dinheiro existia. Sacou do envelope e, num gesto muito rápido, escondeu-o ao lado da caixa destinada às ofertas para o santo anónimo. Depois pensou melhor e optou por o disfarçar debaixo dos pés de barro do dito cujo.
Tocou de novo na navalha dentro do bolso que sobrava, deixando-o vazio. Agora sim, podia ir ao encontro do Furtado.


- Quando a esmola é demais o santo desconfia 

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Provérbio provado rimado - MDXXIX

Nem toda a sangria tem vinho 
Ou espumante com frutos vermelhos 
Depende de qual é o barzinho 
E se serve grupos de fedelhos 

Já que existe certa expressão 
Que remete para coisa urgente 
Que precisa de uma solução 
Ou de um fim imediatamente 

É ela a sangria desatada 
Doutro tempo em que a medicina 
Por ser muito menos estudada 
Não receitava uma vitamina 

Para aliviar o mal-estar 
Os doentes eram sangrados 
Com as ataduras a tapar 
Os locais no corpo marcados 

Mas se elas se desatassem 
Acudir era então iminente 
Para que de sangrar deixassem 
E assim não morrer o doente